Represando o sentimento

Uma máscara surge aleatoriamente no meio da multidão, é o "V" de vingança. Resta saber: que vingança é esta? São estarrecedoras as razões distorcidas que frequentemente ignoram completamente a raiz de sua determinação.

A política sempre foi um campo fértil para projeções. Quando alguém se enche de ódio ao falar de um político ou partido específico, o exagero e a exacerbação podem estar mascarando algo inversamente oposto ao discurso, usando o personagem como um veículo para canalizar frustrações de outra natureza.

Algumas represas afetivas podem justificar silenciosamente tais respostas comportamentais.

Por exemplo, quando se trata de sentimentos antagônicos ligados a uma figura de profundo vínculo afetivo (como uma figura materna ou paterna), a proximidade dessa evidência não permitiria um sentimento sequer parecido com ódio. O sentimento represado é então projetado na figura pública, pois nela as consequências psíquicas são de menor impacto. Nesse caso, a liberação proporciona um alívio equivocado, que não passa de uma postergação da percepção de um choque temático das partes fundamentais de sua construção humana.

A era tecnológica sistematiza a sensibilidade humana, eliminando o isolamento da percepção cognitiva, que outrora era definido pelo isolamento geográfico e físico. Isso molda um mundo sensorial, passível de reformular em alguns padrões mais primitivos. É intrigante pensar em sensações que emanam do pensamento.

O que costumava ser selado por um aperto de mãos no passado, hoje é realizado com um clique entre milhares de pessoas. Esse compartilhamento assegura a partilha do mundo em todas as suas dimensões, incluindo versões de moral, afeto e possibilidades de comportamentos.

Enquanto a mente observa, muitas vezes de forma negligente, as conquistas e brutalidades de diversas culturas, ela também passa a ganhar mais sinapses de consciência por essa via, mesmo que a banalização das imagens amortize as reações, tanto de inércia quanto de ação. Chegamos, assim, a um novo sistema de compartilhamento, que não se trata mais apenas de alimentos e serviços, mas sim de consciência.

Nas necessidades mais sutis da vida no âmbito prático e imediato, isso pode não ter grande significado, mas a longo prazo é uma revolução inevitável.

Podemos sentir, ver, ouvir, invadir, espiar, marcar, corrigir, ocultar e diluir nossas ideias, criando nossas próprias censuras. Acredito que um dia a máxima "respeitar as diferenças culturais" ganhará um novo significado, devido à proximidade e paridade de ideias, e que a grande cultura a ser consagrada no mundo será aquela que valoriza a vida, o amor e as múltiplas formas de existência.

Afinal, como disse uma querida amiga e médica indigena Nalva: "A cultura não machuca; o que machuca precisa ser transformado, pois não pode ser considerado cultura".


Alba Regina Bonotto 
Psicanalista 
Filosofia Clinica 








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