Analise do Filme "O PERFUME"


O PERFUME - Analise filosófica.

 Um filme recheado de detalhes sobre o super olfato do protagonista , eficiente em mostrar a personalidade perversa e impermeável de Jean Batptiste, muito bem interpretado por Ben Whishaw, que personifica um serial killer  , obstinado em  sorver o perfume das mais  belas moças,todas muito jovens,angelicais e virgens,verdadeiras flores a desabrochar ,que precisam ser colhidas no auge de sua pureza. Isso posto na  visão doentia e limitada do personagem, representado com muita agudeza em suas distorções, como espelho dos resquícios de uma cultura  medieval .

Infelizmente,  são distorções  ainda bem próximas do imaginário contemporâneo, em que a pureza e a virgindade seriam sinônimas.

Contextualizando o cotidiano e a cultura da França do Séc XVIII, mostra como a pobreza, a sujeira e o mal cheiro imperavam.

Foi precisamente neste quadro social, que nasce Jean Batptiste,   entre cabeças e escamas de peixes. Seu primeiro grito pela vida  resultará na morte de sua mãe .Assim cada vez que o personagem sai de um contexto para entrar em outro, um padrão de ação e reação é formado. Um rastro de mortes recai sobre seus passos, mesmo sem que tivesse qualquer intenção ou ação direta sobre os acontecimentos.

Este movimento serve como uma simbologia distorcida sobre as mudanças de etapas da vida, mostrando o peso e as perdas que o ganho da maturidade pode trazer para algumas pessoas. 

Vemos um ser humano que se constrói a partir de um mundo  árido ,desprovido de qualquer afeto ou aconchego familiar, jogado ,explorado e abusado emocionalmente.

Sua personalidade perversa  vai despontando como uma rocha dura , inquebrantável, sendo moldada basicamente por registros olfativos. 

O personagem, de alguma forma, personifica o mito da caverna, na singularidade de seu mundo interno, formado por suas impressões e sensações primitivas , sem o crivo da moral ou da ética . Isto posto ,vale lembrar que Platão nos alerta ,para as distorções dos sentidos, sua imprecisão e inferioridade diante do mundo das ideias  .

Mas como fica o mundo onde todas as concepções afetivas e cognitivas se fundamentam apenas por um dos sete sentidos, o olfato?

 Jean Batptiste nos da uma ideia aterrorizante de como essa dominação sensorial  pode forjar uma existência. 

A história é rica em detalhes sobre o universo olfativo, também muito bem fundamentada na questão criminal, mostrando o aspecto ritualístico de um criminoso, suas compulsões, manias  e obsessões.

O Perfume é um prato  recheado para o encontro  de fundamentos psicológicos que vão determinando o comportamento do sujeito e seu destino trágico. Muito eficiente em nos fazer ir além do roteiro, faz com que enxerguemos o  sentido e a lógica que move aquele assassino.

Jean Baptiste parece andar na busca  de um cheiro próprio,de uma identidade, do amor das pessoas. Talvez seja isso, é difícil saber ou julgar, mas quantas  atrocidades já foram cometidas por muito menos? 

Chamo atenção para uma cena que acontece em praça pública, onde minutos antes  de cumprir sua  sentença de morte, Jean Baptiste, abre o frasco e joga aos sete ventos um cheiro único, puro , a essência de todas as essências. Quando a multidão  é arrebatada pela força sensorial ,não há mais limites, roupas são arrancadas, todos ficam nus e inflamados de ternura e  amor . Ninguém escapa, nem os que sofreram mais profundamente o peso daqueles assassinatos podem resistir.

O Perfume faz surgir a compaixão tão ausente  na vida daquele ser e,  através dele, Jean leva a multidão até o lugar onde sua própria experiência olfativa o estruturou, enfim neste instante, pode encontrar a sua tão desejada existência . No gozo em seu olhar o prazer equivocado sobre a fantasia de estar incluído, de estar entre iguais. 

O perfume idealizado o movia arrancar  vidas, com a mesma motivação que um florista arranca flores .O fato de ter surgido dos lugares mais baixos  e densos e sua capacidade de sobrevivência se amparam na busca de seu próprio cheiro e com ele talvez uma fantasia de ser amado e incluído  . Uma fórmula que leve o mundo em direção às sensações mais doces e suaves ao prazer supremo. 

Jean Baptpiste fundamenta toda sua existência onde uma criança teria apenas as primeiras impressões do mundo , ele decifra a vida pelo cheiro, que dela as coisas e as pessoas emanam. 

Shakespeare no seu imortal  Hamlet nos agenda na duvida do seu "ser ou não ser,eis a questão" . Como seriamos se submetidos a mesma realidade da vida de Jean Batptiste? Ser ou não ser pode ser simplesmente uma questão de condição de possibilidade e adaptação. 

Por fim, diante da nudez plena da espécie, nada mais parece ter sentindo  a frente da própria força da vida e, neste movimento o monstro, é devorado  pela mesma paixão que movia seus atos.

 (Alba Regina Bonotto)

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