Morrer um Pouco a Cada Dia
Hoje surgiu essa ideia , não é nova mas ao meu ver tem muita procedência, falarmos da contradição entre o declinio fisico e poderiu cognitivo.Desde que nascemos, começamos a morrer: o corpo que emerge à vida já carrega em si a finitude. Simone de Beauvoir resumiu essa ambiguidade de forma incisiva quando afirmou que "viver é envelhecer, nada mais". Ao mesmo tempo em que buscamos nos fortalecer para existir, o tempo que nos compõe escoa, como se a própria vitalidade estivesse ligada à passagem dos dias.
Esse paradoxo, no entanto, não precisa ser replicado em nossa experiência subjetiva. Clarice Lispector recorda que "vivemos exclusivamente no presente, pois sempre e eternamente é o dia de hoje; o dia de amanhã será um hoje, e a eternidade é o estado das coisas neste momento". Se mudarmos a forma como nos relacionamos com o mundo, com as pessoas e com as coisas, talvez possamos viver mais plenamente em vez de apenas morrer um pouco a cada dia.
A mente, quando ausente do presente, oscila entre ruminações do passado e medos do futuro. Programas baseados em *mindfulness*, técnica de atenção plena que ensina a focar nas sensações do momento, mostram que esse treinamento pode ajudar a se desprender de distrações e pensamentos intrusivos, amenizando o estresse e alviando a ansiedade. Ao voltar‑se para o aqui e o agora, a mente aprende a entrar em um fluxo em que o importante mais que tudo é o sentir sensorial do mundo em nosso entorno em nosso habitat, sentir a textura do piso, a temperatura da sala ou o barulho da rua ,o sacudir das folhas o tilintar dos ventos; com o tempo, isso tende a direcionar o pensamento para atitudes mais felizes e bem menos destrutivas, sendo em si mais bem direcionadas. Incorporar práticas de atenção plena na vida cotidiana pode ser um antídoto contra a sensação de estar constantemente perdendo tempo.
Muitas pessoas, em um determinado momento em um processo de analise, relatam estranhamento: "não estou mais tão reativa, não me importo tanto com a opinião dos outros". Essa mudança ocorre quando conseguimos descolar das impressões feitas pelo outro naquilo que somos e então passamos a validar a nossa existência a partir de nosso próprio olhar , das nossas próprias experiencias e competências, em vez de depender do olhar alheio. Simone de Beauvoir inspira essa postura ao nos lembrar que "que nada nos defina, que nada nos sujeite; que a liberdade seja a nossa própria substância", algo que podemos desejar ardentemente mas que invariavelmente teremos dificuldade de vencer em todas a empreitadas , como lidar com a sentença materna que te diz algumas malidicencias e as vazes grita desesperaada por sua nao existencia? Parece ficcção, mas isso é apenas um exemplo dos estragos de nossa caminhada estrutural. Ao descolar‑nos dos estigmas e condicionamentos estruturais, somos capazes de nos perdoar por não ter tido escolha e, mais ainda, admirar nosso eu frágil e vulnerável e seus avessos em tudo o que há em nós.
Na infância, é compreensível depender do poder do outro: afinal, não sobreviveríamos sem o cuidado alheio. Entretanto, quando permanecemos presos à avaliação e às sentenças externas, ficamos a deriva de nos mesmos, como crianças, que "nada sabem do mundo e que poder algum têm de se conduzir".
Freud nos ensina que "a identificação é a forma mais primitiva de vínculo emocional com outra pessoa", e é por meio de uma série de identificações que construímos a nossa personalidade. Assim, o outro — esse mesmo que nos nutriu, nos protegeu ou nos feriu — oferece modelos psíquicos que introjetamos. Ao internalizar seus modos de ser e reagir, estruturamos formas de habitar o mundo, mas é justamente ao tomar consciência disso que podemos transformar essas identificações em escolhas, e nos tornar uma nova forma de ser: menos determinada, mais nossa.
O filósofo Heráclito apontava que o mundo está em constante fluxo e que "tudo flui"; ele sintetizou essa ideia na máxima de que "nenhum homem jamais se banha no mesmo rio duas vezes", porque nem o rio nem o homem são os mesmos, e como diz o poeta Lulu Santos "nada do que foi será do geito que ja foi um dia". Conquistar esse lugar, reconhecer esse movimento nos permite, como o rio, mudar o curso e assumir posse dos nossos desejos, competências e anseios.
A vida contemporânea nos convida à repetição mecânica: agendas cheias, buscas ininterruptas, adoção acrítica de padrões. Quando deixamos que esse "outro" dite o que somos e precisamos, abrimos mão do processo identitário e de todo o potencial que há na nossa existência. Como Clarice Lispector adverte, "uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio ‘apesar de’ que nos empurra para a frente". "Perder‑se também é caminho"; nesse desvio, descobrimos que podemos nos reinventar e deixar de morrer um pouco a cada dia.
Nosso corpo seguirá seu curso natural, mas a nossa experiência pode se tornar mais viva se aprendermos a habitar o presente, assumir a autoria da nossa história e acolher as mudanças como parte da vida. Em vez de apenas morrer aos poucos, podemos, como sugere Clarice, reinventar o "hoje" para instaurar um futuro mais pleno.E para finalizar por que não lembrarmos da Rainha do Rock Brasileiro "Qual é a moral? Qual vai ser o final dessa Historia?"
Considerações do dia dia .
Alba Regina Bonotto
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